sábado, 23 de março de 2013

Palavras de um só gume


Eu vejo as palavras cegas
Cortando pele, carne e osso
Para arrancar o coração

Facas de um só gume
Sem afiar
Sem intenção

Cravadas no peito de quem vive
(Vive) só de ilusão

Eu vejo sem ver
O fim
O início
De olhos fechados
Coração arrancado
Pingando no chão

Palavras são mais fatais
Do que tiros de paixão

Eu vejo as palavras cegas
E me cego de emoção

terça-feira, 19 de março de 2013

A paz dessa noite


Se pelo menos a paz viesse toda vez que a chamo, e levasse sossego à chama que queima insistente no meu coração... se essa noite a paz invadisse as cortinas brancas do quarto de menina, se entrasse de mansinho debaixo das cobertas... se ao menos essa noite, eu sonhasse com a paz... poderia descansar a paixão ofegante... que mesmo correndo não chega nunca ao pódio. Haja bombinha para a asma apaixonada, aja como se a paz reinasse.


segunda-feira, 11 de março de 2013

Na praça


O calor era forte, restava saber se mais forte do que eu. 

As férias da faculdade reinavam absolutas... ou pelo menos era o que eu desejava... mas novata no estágio, não me arrisquei a exigir férias tão cedo e tão longas, o que fez com que as férias das aulas tivessem seu efeito reduzido. Para render o dia e sentir o prazer de passar tardes no clube, de bobeira, no cinema ou fazendo qualquer outra coisa, fui trabalhar de manhã.

O bairro, como de costume, amanheceu fresco, me convencendo a optar por um par de calças jeans. Para combinar e assegurar o conforto, tênis de tecido, lindinhos (ok, talvez a parte do lindinhos seja polêmica), e uma blusa fresquinha que garantisse alguma seriedade capaz de salvar o visual de qualquer recriminação no estágio. Assim parti para uma jornada de maravilhosas 4 horas (que descobri ser o número de horas ideal para qualquer tipo de trabalho).

Após quatro horas da mais sincera felicidade de se trabalhar com o que se gosta, e de bom humor, com companhias genuinamente agradáveis e um saudoso jardim verde, era hora de enfrentar uma tarde de férias muito merecidas. O horário não era perfeito para andar no centro, mas determinada a chegar em casa com apenas um ônibus, iniciei a curta subida até o ponto.

A rua não chega a ser íngreme o suficiente para incomodar quem cresceu no Santo Antônio, mas com o calor da hora do almoço... o suor começava a surgir nas raízes dos cabelos, cuidadosamente amarrados no rabo de cavalo mais alto que possa imaginar. Os sinais pareciam eternamente fechados, e a falta de sombra condenava as bochechas brancas a se pintarem de rosa quase vermelho.

Foi assim que comecei a travessia da Praça Raul Soares, passando bem perto dos canteiros regados automaticamente no pior horário possível, mas que pelo menos me deram a ilusão de amenizar o calor. De repente, ali, na imensa fonte de águas transparentes, um homem havia tirado a camisa, colocado as meias dentro dos sapatos cuidadosamente pousados em um banco próximo, e agora nadava de short no meio da praça.

Ele não parecia bem nutrido, seu cabelo era ralo, sua pele mal cuidada, seus dentes amarelos, quando não em falta. O homem não havia depositado no banco da praça carteira, óculos, blusa de frio ou mochila, apenas o par de sapatos, as meias e uma camisa manchada. O homem não poderia imaginar que eu vinha do trabalho na justiça, que havia saído cedo e por isso usava calças, ele não reparou nas minhas bochechas que queimavam, no suor que escorria em minha testa ou no esforço que fazia para chegar perto das poucas gotas que sobravam da irrigação. O homem nadava, dava braçadas, mergulhava.

A fonte é funda o suficiente para mergulhar, constatei hipnotizada. Era também larga o suficiente para braçadas. O homem estava sozinho na fonte. Policiais estavam próximos, mas não o impediram, abordaram, preferiram ignorar e permanecer na escassa sombra em que, com algum custo, se acomodaram.

Eu invejei aquele homem. Nós dois estávamos debaixo do mesmo Sol, o calor era o mesmo, a praça era a mesma, eu era a privilegiada, ele era o excluído do sistema. Eu desejava mais do que tudo poder tirar aquelas roupas/uniforme e mergulhar na fonte. Ele sorria e mergulhava novamente. E por um breve momento aquilo me pareceu maravilhoso.

Então, antes que o desejo se apoderasse ou qualquer discurso político maculasse o momento, apertei o passo para alcançar o ônibus, deixando para trás uma felicidade que talvez eu nunca tenha conhecido, que talvez nunca conheça, e que todos julgavam, inclusive eu, que sempre habitou o meu coração.



terça-feira, 5 de março de 2013

Fim de linha, ou corredor


Não adianta regar
A flor que vai na lapela
Mesmo que enfeite o caminho
Ao final, a morte é certa