segunda-feira, 8 de julho de 2013

Peregrinação


Cheguei atrasada apesar da intenção de sair cedo, e por isso, ao fim das quatro horas de trabalho, o dia escurecia em noite. Evitando andar desacompanhada no centro escuro da cidade, escolhi o trajeto de ônibus mais longo, passando pela praça sete. Às cinco e meia, Belo Horizonte ferve, e os carros circulam pelas avenidas como hemácias nas artérias de quem corre... sangue cheio, ensopando de pressa vermelha o interior da contorno.
Praça da Liberdade, aguardo sozinha, entre os muitos solitários que aguardam um sinal da felicidade, que o próximo coletivo venha me buscar. Poderia ir ao Belas e salvar a segunda feira, mas, convenhamos, já era hora de ir para casa. Na praça, cujo nome me faz respirar com mais vontade, a brisa suave ameniza a noite quente, em que os mineiros usam casacos, apenas por já ser julho.
As coxas (descobertas) da moça que enfeita a praça, entre canteiros em que brotam roseiras, desabrocha olhares. Nem todos insistem, felizmente, no frio do meio do ano. E Niemeyer deveria ter deixado de lado os babados e desenhado essas curvas torneadas no lugar do prédio de voltinhas...ao menos era o que pensava enquanto me distraía.
As luzes da rua já estão acesas e as fontes jorram para matar a sede dos olhos, que ainda procuram, na penumbra, as pernas da moça. Acesa estive o dia todo.
Se fez de vez a noite, e a lua despontou iluminada, despertando o lobo em mim. 
E o coletivo? nada.
Poderia ler um poema, mas, com tanta pressa, deixei o livro na cabeceira, e agora me resta somente esse lápis quase sem ponta e o fiel caderno azul. Aguente, não deve demorar.
A sombra dos que esperam comigo, unido-se aos corações partidos que se empilham na calçada, fazem com que ver o papel seja uma aventura desajeitada.
"Anchieta, anchieta, anchieta...", será que só passam ônibus para lá? E o chofer que deveria me buscar? Nada. A moça das belas coxas foi pra casa, eu também quero ir. Um casal passa às gargalhadas, me diga algo que me faça sorrir? E ninguém diz nada, entre os companheiros de solidão.
Já contei três "8001A", mas não importa, porque hoje não preciso dele. Passou um carro vermelho, mas a menina dos olhos doces não estava nele.
E continuei na praça, esperando poder comprar por R$2,80 a liberdade do caminho rumo ao banho. Cansei, cansamos, queremos cada um o seu ônibus. E a cidade se denuncia acordada, mas hoje é só segunda, hoje não dançarei na madrugada.
"Anchieta, anchieta, anchieta....", por que foi que não nos mudamos para lá? Não consegui me lembrar...e a espera, que agora já parecia eterna, se perpetuou. Buzinas ensurdecedoras começam a soar.
Luzes de freio vermelhas me lembram do desejo ardente e besta, os companheiros começam a ladainha acerca do trânsito, e meu ônibus? nada...e outra hora se passa. Será que dá pra morar em um desses museus?
Ia batizar o texto de "volta para casa", mas, a essa altura, considero "peregrinação", ao local sagrado que é o meu chuveiro ou a minha cama. 
Os solitários se acumulam. O ônibus aponta, entrei, mas ali, em pé como sardinha enlatada, já não posso escrever, e venho dormindo em pé, como só os mais cansados são capazes de fazer.



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